sexta-feira, 16 de abril de 2010

Para o saco:

- passava dias e noites olhando-se no espelho. perto, bem perto. analisava. com o terremoto machucou a face e perdeu os olhos.

- gostava de brincar de índio. capitão. pirata. cabana. ilha desconhecida. tesouros. gostava de inventar personagens, sobrepor as roupas do armário do pai. dividia os cômodos da casa, traçava caminhos, mapas. os parentes, aliados. os vizinhos, inimigos. foi em um dia desses de brincadeiras e sonho que, abrindo a última gaveta do pai, disparou o brinquedo que findou todas as suas batalhas fantásticas.

- ela não se lembra de seu nome. de quantos anos tem. não se lembra da cor de suas alegrias e nem de seu sexo. ela não se lembra de comer, de beber água e tem hora marcada para ir ao banheiro. comprometimento da família. ela não se lembra de vestir-se, da boa-educação e nem dos bons modos. seu olhar é perdido, vaga no espaço da casa. ela não se lembra de nada. a única coisa que ainda a motiva é o barulho que o telefone faz quando toca. todas as ligações são para ela.

- limpava meticulosamente cada canto, cada beirada de cada móvel da casa. havia nascido ali, dentro dela e nela ensaiado suas primeiras dores e alegrias. gostaria que todos os meses fossem Natal. a árvore montada durante o ano todo, esperando o pai abrir a porta com uma sacola cheia de presentes. ele não vem menina, dizem os irmãos. morreu. lembrou-se de quando era pequena.

Um comentário:

Anônimo disse...

estou lendo. apenas.