quarta-feira, 30 de setembro de 2009

" Eu chorei porque..." - Exercitando a matriz dramática

Eu chorei porque você deixou o coelho cair na hora mais importante. eu chorei porque sem o coelho nada mais faz sentido e, assumo, está difícil encontrar uma saída. eu chorei porque via no coelho a alternativa que nos ajudaria a solucionar todos os problemas que estamos passando. eu chorei porque durante a queda, o coelho não disse nada, mas me olhou. eu chorei porque não me movi para apanhá-lo. lento, ele foi saindo de suas garras desfilando longa caminhada em direção ao chão. eu chorei porque durante a queda o coelho não disse nada, mas me olhou! do verde dos olhos dele, milhares de palavras foram brotando. você calado, eu cego e o coelho surdo. se é verdade que os animais só conseguem ver as coisas em preto e branco, eu também chorei por isso. na verdade, ainda não sei como foi e quando foi o exato momento em que ás lágrimas começaram a desfilar longa caminha pelo meu rosto. eu chorei porque você deixou o coelho cair na hora mais importante. estava tudo pronto. como combinamos e desejamos meses antes. estava tudo armado, limpo e cheirando a azaléias. a cozinha, a sala, o quarto, o escritório e os banheiros. todos eles esperando. e nada. todos eles agonizando. e nada. eu chorei porque não sei o que vou dizer a CASA já que agora o coelho se foi. porque não sei se invento uma mentira ou se conto logo toda a verdade. porque penso que a CASA não me dará seu perdão. pensei em dizer que você foi o culpado, mas isso pouco aliviaria também o meu pesar. eu pensei até em... Em dizer que podemos trocar o piso, pintar as paredes, comprar quadros novos e, quem sabe, até um novo aparelho de televisão. eu chorei porque sem o coelho as crianças não vão querer mais almoçar. vão gritar para entrar no banho e na hora de ir para a escola vai ser aquele !auê! porque sem o coelho não tem razão e eu queria que você pudesse entender todas essas coisas que eu estou dizendo. porque eu peço que você busque encontrar um denominador comum dentro disso tudo. Eu chorei porque você deixou o coelho cair na hora mais importante. As portas ouviram, eu tenho certeza. Como também tenho plena convicção de que quando eu chegar em casa até as músicas já estaram cantando essa dor que agora sinto. eu chorei porque não sei mais o que fazer sem o coelho. Não! Não! Não, nem pensar. Eu disse a você que o coelho era insubstituível. E foi por isso que eu chorei. Meu celular está tocando. São as estantes. Não sei o que dizer a elas, não vou atender. Ligação Rejeitada. Coitadas, elas devem estar chorando porque você deixou o coelho cair na hora mais importante de todas as que... Não sei. não sei se elas choram pela mesma razão pela qual eu choro. eu chorei porque. já disse. Agora o que precisamos pensar é no que fazer sem o coelho. Estou lhe dizendo todas essas coissas porque eu não vou chorar por sua ajuda. Acho que você poderia, na verdade, deve me ajudar a lidar com essa situação. Se os dragões não conhecem o paraíso, pensa nos coelhos. Meu deus, ele deve estar morrendo de frio agora. Porque não vou conseguir contar as crianças que ele vai encontrar com a vovó dele, que vai olhar por elas lá de cima. com COELHO não cola essa história de passagem, sacou? Com coelho não cola fantasia, nem mais ou menos. Com coelho as coisas são exatas e, por esse motivo, eu comecei a chorar agora. Pensei em galinha, peixe, pato, gato, cachorro e até em elefante eu pensei. Não sei. Talvez a CASA pudesse esquecer o coelho ganhando de presente algo que se manifestasse muito maior do que ele. algo que ocupasse mais espaço que ele. algo que nos exigiria tempo e um incrível sistema de convivência doméstica. algo que nos recolocasse dentro de nossas quatro paredes. Não sei. Mas não. coelhos não podem ser trocados. ou você tem um coelho ou esquece. Pronto.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"Nosso casamento me violenta porque..." - exercitando a matriz dramática

Nosso casamento me violenta porque, desde de pequena, fui ensinada a acreditar em você. Nosso casamento me violenta porque, desde pequena, eles me diziam que quando eu estivesse com você, ao seu lado, tudo estaria em paz. Nosso casamento me violenta porque você está em todos os lugares, mas nunca está comigo. Nosso casamento me violenta porque, ao contrário de todos os outros, em você eu não vi abrigo. Nosso casamento me violenta nas formas em que você se justifica e expande sua doutrina. Nosso casamento me violenta porque em sua casa eu não me sinto seguro. Nosso casamento me violenta porque nunca podemos ficar a sós. Nosso casamento me violenta porque não temos privacidade. É isso. Me violenta porque quando te vejo minha vontade se perde e meu mundo se transforma. Porque perco minha trajetória até então estabelecida e me certifico que com você não posso subir o elevador. Pois subiria sozinha. Nosso casamento me violenta porque você sempre prefere se fazer invisível. Me violenta porque todos chamam seu nome e eu já nem sei mais se sou tua. Me violenta porque quando você tira a minha roupa, meu corpo se abre por inteiro. Porque me vejo nua ao seu lado e você nada diz ou faz. Me violenta porque, ás vezes, você se cansa rápido demais. Nosso casamento me violenta porque ao seu lado eu não posso ser puta. Me violenta sua extrema necessidade pelo sublime, sua admiração pela pureza e simplicidade. Me violenta porque quando estou ao seu lado sei que está pensando nela. Maria Madalena. Me violenta porque posso me envolver com mais de mil pesares e nenhum deles fará sentido para você. Nosso casamento me violenta porque acreditando em você eu perdi o juízo e, depois disso, nada mais tem cor. Nosso casamento me violenta porque nele todas as alegrias terminam em dor. Nosso casamento me violenta porque nessa brincadeira de acreditar eu pirei e, ás vezes, acho que sou você e você sou eu. Me violenta porque dentro do meu guarda-roupas não vejo mais o manto seu. Nosso casamento me violenta porque as pessoas gostam demais de você e não fazem idéia do quanto você pode ser rude, cruel. Me violenta sua imagem, ali parada, crucificada. Nosso casamento me violenta porque desde o dia que você anunciou morrer por mim eu não parei de chorar. Me violenta porque meu choro foi de alívio por não precisar mais lhe suportar. Me violenta porque no dia em que você se foi, minha vida começou a acordar.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Antípodas - Ele, Ela e Eu. Repertório Criação!

"Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?" - Caetano Veloso

1) Ela levanta, de forma impositiva, com o dedo indicador ereto, o braço esquerdo. Levanta o braço por trás.

2) Ele tenta ir abraçando ela. Quando próximos, ela apóia sua cabeça no peito dele. No momento em que ele vai fechar os braços para concretizar o abraço, ela sai de perto dele "num giro".

3) Os dois andando em linha reta. Ela na frente, ele atrás. Ela para e, de supetão, deixa o corpo pesar para trás apoiando-se nele.

4) Ela com o dedo indicador na mira do nariz dele.

5) Os dois em linha reta, Ele na frente, ela atrás. Ele olha: 1, 2, 3 tempo-ritmos. No tempo 2, Ela corre e pula nas costas dele, agarrando-se com as mãos pelo pescoço dele. Ps: Lembrar que este movimento precisa ser preciso e forte. Precisa ser um oposto, uma imagem linda, mas onde Ela poderia ter sufocado Ele.

6) Ela olha para Ele, que é mais alto, com os olhos direcionados para cima.

7) Ela impurra Ele com a cabeça, pela barriga.

8) Ela senta, no chão, com as mãos tensas entre as pernas. As mãos estão trocadas, desconexas.

9) Ela canta com as mãos no ouvido. Ele puxa a mão direita dela. Ela para de cantar imediatamente, olha para sua mão e depois para Ele.

10) Os dois em linha reta. Ela na frente, ele caminha por trás para abraçá-la na direção do baixo-ventre. Quando próximos, Ela vira de supetão e o surpreende.

11) Ela delira, com os dedos e o corpo em suspensão. Quando Ele diz uma coisa, o movimento dela se quebra imediatamente. Atenção para a respiração no movimento.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

"Eu sobrei porque..." - exercitando a matriz dramática.

Eu sobrei. Na verdade, venho sobrando desde a primeira tentativa para não sobrar. Quando vejo todas as coisas que vivemos juntos, realmente, tenho a sensação de que sobrei. Sobrei desde o primeiro beijo no parque até o último, desesperado, calado, em prantos por minha/nossa partida. Eu sobrei porque precisava aprender a ficar sozinho. Mas agora já aprendi e ainda continuo na forma de sobra. Eu sobrei porque fui paciente, soube respeitar os seus medos e vontades. Eu sobrei porque fui coração aventureiro, levando sempre na mochila minha muda de roupa, com a esperança no peito de você me convidar para dormir em sua casa. Eu sobrei porque fui compreensivo demais e soube tolerar os seus ataques de ciúme, suas fotos e amigos celebridades. Eu sobrei porque não fui capaz de olhar para dentro. Eu sobrei porque me anulei e deixei você ir crescendo, tomando este meu espaço íntimo que, agora, oco chora baixinho. Eu sobrei porque você não poderia sobrar. Eu soubrei porque você jamais conseguiria lidar com essa situação. Eu sobrei para te salvar e nada disso recebi em troca. Eu sobrei como surpresa do kinder-ovo, da criança amadurecida que só queria mesmo era comer o chocolate. Eu sobrei verde abacate. Eu sobrei nas suas poesias intermináveis onde nunca fui amado. Eu sobrei por cima de suas letras e seu cadáver. Eu sobrei porque do que nada encontrei em você, vejo que em mim transborda. Eu sobrei bossanovacaetanomarinaritazeliaguilhermearnaldomarisaadrianamariamaria. Eu sobrei por completo o calçadão de copacabana e no posto seis lamentei sua partida. Eu sobrei proque me abracei a este amor que acreditava ser para sempre. Eu sobrei por querer me apaixonar e julgar esta vontade comum. Eu sobrei todas as escadas que subimos juntos. Eu sobrei niterói, para ser mais preciso gavião peixoto, eu sobrei laranjeiras, largo do machado, catete, botafogo, urca, vila isabel, penha e são paulo. Eu sobrei por bares esquinas. Eu sobrei porque estava bêbado e fora da realidade você não me aceitou. Eu sobrei porque me negaste um abraço antes de partir. Porque me negaste uma avenca, um sorriso, um chocolate. Eu sobre feito disputa em carrinho bate-bate, como nesta rima pesada que acabo de fazer. Eu sobrei porque queria ser rei e o dia de minha coroação nunca marcamos. Eu sobrei porque ainda sinto o seu perfume, a inhaca dos cigarros que fumamos juntos, a gordura das gorduras que ingerimos. Eu sobrei porque minha roupa ainda continua suja do seu sexo que não foi embora. eu sobrei porque a água acabou e foi preciso tomar banho de panela. Eu sobrei naquele dia, naquela janela. Eu sobrei porque todos os momentos que passamos juntos hoje estão em fotos e posso me lembrar exatamente de cada um deles. Eu sobrei por ser exigente, trabalhar com os detalhes e apreciá-los. Eu sobrei porque lemos muito e juntos carregamos o peso de cada página. Eu sobrei porque no escuro não consegui ver a maçã. Assim como ainda não consigo achar seus olhos nesse escuro claro que me cerca. Eu sobrei porque sinto saudade e, por esta razão, ainda sobro.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Antípodas - composição número dois.

- Narrativa contínua: descrever o espaço da ação.
- Contar a história da peça ( em primeira pessoa, ou seja, na visão da personagem)
- Resumir a história da peça ( apresentação de uma sinopse)
- Uma frase para Antípodas
- Três palavras para Antípodas
- Uma palavra para Antípodas
- Um som para Antípodas
- Um suspiro para Antípodas
- Um gesto para Antípodas
- Um minuto de silêncio

Obs: É preciso apresentar a composição respeitando a ordem das regras.

Tempo: Mínimo - 6 minutos. Máximo - 10 minutos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O máximo de sinceridade e o Mínimo de resposta.

Ele entra. Munido de uma mochila, uma cadeira preta e uma lata de coca cola vazia caminha em direção ao centro do espaço. Posiciona a cadeira de frente para as pessoas que o assistem. Coloca a lata de coca cola embaixo da cadeira, exatamente no centro. Ainda resta na lata um canudo um pouco mordido em sua ponta. Tira a mochila das costas. Coloca a mochila nas costas da cadeira. Tira os sapatos e os colaca em frente a cadeira. Inicia um movimento contínuo de tirar todos os objetos de dentro da mocilha, posicionando-os perto da cadeira, em relação com ela, como se ali ele mesmo residisse, como se naquele momento, naquela cadeira ele estivesse sentado. Então são as apostilas, o livro e a caneta em cima da cadeira, ao lado o estojo e o cigarro, na frente dos sapatos em fila reta ficam: a carteira, o celular, as chaves, o hidratante labial, o creme para a tatuagem, uma foto, um remédio para azia e só. Em cima das apostilas, da caneta e do livro, apoiada nas costas da cadeira, uma foto que tem seu rosto com uma expressão de estranha tranquilidade e beleza. Em cima da foto, apoiado nas tiras das costas da cadeira, um óculos escuro. Ascende um cigarro e fica observando o outro, ali formado por seus próprios objetos. É outro dele e mais um dele mesmo. Inicia outro movimento contínuo de cantar uma série de músicas com o objetivo de agradar seu novo ele. Seu outro ele. Depois de muitas tentativas frustradas, lembra-se da música que, a muito tempo, disse com tamanha certeza de que seria a música de seu casamento. Pois não. Canta a música. Em um agrado pequeno, parece que o ser cadeira responde. Então ele começar a retirar os objetos e guardá-los na mochila. Da mesma forma que entrou, sai. Percebe que esquece a lata de coca cola quando, sem querer e ver, esbarra com os pés nela. A lata rola. Deixa os objetos longe do lugar onde apresentou sua composição. Volta, pega a lata de coca cola e sai.