segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Florido

O Guilherme desceu a rua. O Guilherme desceu a rua em flor. O Guilherme desceu a rua e não olhou para trás. Enquanto o Guilherme descia, era eu quem subia, fazia o caminho de volta. O choro é singelo, casual, quase cotidiano - alguém poderia dizer. As lágrimas não pesam e brotam com tamanha facilidade que só de fechar os olhos o rio corre ligeiro. O Guilherme desceu a rua de short jeans cintura alta vintage, botinha de cano marrom escura, camisa de botão estampada e dobrada nas mangas. O Guilherme desceu a rua em seu rebolado habitual e ajeitou a parte detrás dos cabelos como costuma fazer quando conversa comigo - ou com outras pessoas. O Guilherme desceu a rua e quando passou ao lado da árvore em flor arrancou-lhe uma, um pedaço. A rua vazia, meio claro meio nublado, um dia tipicamente curitibano. O Guilherme desceu a rua e eu fiz questão de acompanhar o seu movimento até não mais poder vê-lo. Não estava frio e ele desceu a rua para pegar o ônibus - dobrando a esquerda na Mateus Leme e atravessando outra rua. O Guilherme não tinha dinheiro e teve que passar no Itaú. Pegou dinheiro e assim seguiu caminho. De repente, me dou conta de que não havia fechado o cadeado. Tudo bem, eu nem fui tão longe assim, penso. O Guilherme desceu a rua e se fosse cinema ele tinha tido a sua trajetória interrompida. É que no meio da sua descida ele ia, mais uma vez, ser interrompido pelo corpo,braços,beijos e carinhos meus. Se fosse cinema, é claro. Se fosse mesmo cinema eu iria dizer Gui (ou Guilherme?), ele iria olhar para trás, acho que eu não ia correr porque não gosto de correr em descidas mesmo no cinema, e eu iria sorrindo ao seu encontro. Se fosse filme de bacana não teria música, comédia romântica uma trilha de fundo. O Guilherme desceu a rua, e  eu subi a rua e entrei em casa. Fechei o cadeado, fiz um carinho na Biscoito, passei pela porta um, pela porta dois, pela porta três e abri a porta quatro - que fica trancada para que o Café não entre no quarto em que estou dormindo. Tudo no quarto parecia não querer acreditar que o Guilherme havia aberto a porta quatro, passado pela porta três, dois, um, cadeado, portão de número zero e descido a rua. Ainda no lençol a marca do corpo do Guilherme. O choro é manso, eu disse. Me emociono com facilidade, tentei justificar. O Guilherme desceu a rua e agora é mais um dos poucos estrangeiros que guardo comigo. Ele tem cara de latino, dançarino de lambada, diretor de cinema e performer. Pernas finas, sobrancelhas arqueadas, magro, bem magricelo. Geralmente, quando ele ri inclina a cabaça para o lado esquerdo e volta com ela para o lado direito, assim como quem traça uma meia lua ao redor de si mesmo. Como quem desenha para si uma auréola invisível. O Guilherme tem uma graça trava, uma meninice boa, uma energia sóbria e atenta. É um pouco lânguido no andar, mas firme no pisar. O Guilherme desceu a rua e as suas botinhas faziam som de sapato alto na medida em que se friccionavam com o chão de paralelepípedo. Calcanhoto não quis ouvir, implicou com a gueixa. Vez por outra a gente se pega preso no olhar, um do outro. Ah, o Guilherme tem um detalhe que, talvez, seja a sua parte mais doce. Ele tem uma vesguice descontraída que parece ziguezaguear entre a gente quando a gente mira. O Guilherme desceu a rua e depois disse que queria me ver de novo. Tá bom, Gui.

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