Barulho de porta de geladeira, cadeira sendo arrastada. Cheguei! Desce pra comer com a gente! Comer comer, sempre essa preocupação na memória. Tomei um suco, minha garganta vive seca com o frio, a calefação e o cigarro, não tem jeito.
Como é que se diz? Olhar de peixe morto. Eu ficava muito assim quando tínhamos aquário lá em casa.
As coisas do mundo vão sendo entendidas por camadas do nosso pensamento, até que finalmente a entendemos de forma tão definitiva que até parece que sempre soubemos dela.
Eu ficava assim... parada por muito tempo sem pensar em nada, só vendo aqueles vermelhos passarem, nadando de um lado para o outro, de um lado para o outro. Alguns começaram a morrer e pensei que pudesse ser por excesso de comida. Passei a dar menos ração e diminuiram os intervalos entre uma morte e outra. Peixes são sempre iguais e era difícil perceber se havia um revesamento entre as mortes ou se alguns dos antigos sobrevivia. Não pensava muito a respeito, mas em uma dessas tardes de pasmaceira percebi que um dos peixes era ou estava ficando maior que os outros. Era o único grande e o único reconhecível, e como sua cota de vermelhos era igual a dos menores, ao ter que recobrir uma forma dilatada tornara-se de um alaranjado brilhante. Talvez fosse uma fêmea, com a barriga cheia de ovos.
Olhando com atenção vi que minha peixa grávida era mais agitada, diferente do vaguear aleatório dos pequenos vermelhos, o dela era intencional. E meu olhar não conseguia mais perder-se naquela existência vermelha e tranquila, ficava presa naquela intensão.
Vi a agitação pesada daquela barriga cada vez mais brilhante e de repente o peixe laranja começou a cabecear um pequeno vermelho contra a parede do aquário, o vermelho se rompeu e vísceras esbranquisadas sujaram a água. Os pequenos vermelhos que tentavam abocanhá-las eram repelidos pelo laranja que comeu sozinho o fruto de seu ataque.
Thomás deu um berro querendo comida. O bravo rapaz socava a mesa do cadeirão e o barulho do prato espatifando-se no chão me acordou
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