Faz tempo que não escrevo. E, talvez por isso, escrever seja também o exercício de tentar entender. Quando me distancio da escrita, me afasto dos questionamentos que lhe são intrínsecos. Cada letra, cada palavra. Que musicalidade escolher para tratar de um assunto tão vasto e, ao mesmo tempo, singular. Que sabor tem a sua amizade? De que cor vamos colorir os olhos? Imerso em sensações que não consigo explicar, passei os últimos dias numa espécie de marasmo interno. Nada é suficiente ou tudo é pouco para o corpo marcado daquilo que viveu. Acordo, olho para os lados e não encontro outros corpos. Confesso que, para quem sofre de insônia, era prazeroso tentar dormir embalado por uma estranha sinfonia provocada por respirações destoantes. Ou então marcada pela interferência alta da porta de um banheiro que teimava em se manter aberta. Meus amigos, que saudade. Nunca tive medo da intimidade, do abraço meio sem jeito, do momento em que as palavras não dão conta e tudo o que se quer é dançar. Num dia perdido no passado, li na estampa de uma camiseta: não acredito num deus que não dance. Nunca questionei a existência de deus. Esse assunto não me preocupa, não me apavora. deus está na esquina, sentado em uma cadeira de plástico, tomando uma boa cerveja gelada, vendo o tempo passar. deus está na experiência, na alegria compartilhada, na árdua tarefa do viver junto. Ainda sobre isso, não sobre deus mas sobre o viver, arrisco uma outra confissão. Confesso ter, até hoje, pautado a minha vida a partir da noção de uma experiência coletiva. Antes de me dedicar na produção de uma arte relacional, é da relação que busco aquilo que movimenta o meu interesse. Quantas movências? Quantos domínios tem seu diagrama? Perdi a conta, já não me interessa contar. Vou compondo com aquilo que me atravessa, me aguça o olhar, me pede por atenção. Projeto para o outro aquilo que em mim foi movido em função desse mesmo outro. Retroalimentação. Meus amigos, que saudade. O bagaço você não joga fora não, eu disse. É do bagaço que se faz a base, é no bagaço que estamos todos juntos e misturados. Os olhinhos. Meu deus, os olhinhos. Espantados, boquiabertos, melados pela potência de uma coletividade provisória. Quando temos pouco tempo, ou sabemos de antemão que não é para sempre, parece ser mais fácil viver. Não é? É na velocidade, no trabalho com a data limite, que os afetos pedem passagem. Digo isso pois ainda me emociono com a qualidade dos amores de verão. Não to aqui para fazer fantasia mas como é bom fantasiar. A presença marcante de uma Vanessa forte e bem humorada. Eu não vou citar o nome de cada um de vocês. Essas palavras são para vocês mas também para todos aqueles que já passaram. deus está dançando, meus amigos! Nas curvas de uma pequena-grande ilha, nos braços da princesa, uma coroa repleta de flores. O reinado da alterosa, boquiaberta, enorme de gorda e, ainda assim, faminta por novidades. Uma conversa ao som do toc-toc, o giro do bambolê e o prazer contido na ousada vitória de uma partida de buraco. Tudo simulacro. Evidência. Tudo ensaio para o próximo o ano. Em um outro dia perdido no passado, Renato Ferracini me disse: ensaiar é preparar para nascer. Mais uma vez estou grávida. E vou parir um terremoto, uma bomba, uma cor, uma explosão de amor. Guardo comigo cada sorriso, cada gesto, cada massagem. Colados em minha pele estão os caquinhos. "Pra começar, quem vai colar, os tais caquinhos, do velho mundo...". Comparado a um mosaico tosco, a um desenho de criança ou, até mesmo, a um bom palavrão. Exuberante de tão bobo. A felicidade escapole e desce pelo sovaco como o incontrolável suor do hell de janeiro. Guardo, em especial, os momentos de contemplação, sozinhos ou em pequenos grupos, despojados no espaço, admirando a paisagem. Passo, com prazer, protetor solar em todos vocês, meus filhos. Filhos do céu, do arco-íris que ganhamos de presente, da gentileza que somos obrigados, eu disse obrigados, a retribuir para outros ao longo desse novo ano. Sou corpoviagem e a gestação dessa criança está só começando... Vejo vocês nas salas de ensaio, de aula ou de treino. Até breve.